Como parte dos esforços para induzir uma redução na taxa Selic, atualmente no patamar de 13,75% ao ano, o Governo Federal analisa flexibilizar o regime de metas de inflação para que seja adotado um horizonte de tempo mais longo para o cumprimento do objetivo, substituindo o parâmetro de “ano-calendário”. Hoje a meta de inflação para 2023 é de 3,25%, podendo variar 1,5% para mais ou para menos.
A ideia defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de meta de inflação contínua estabelece um percentual de longo prazo, não mais definido ano a ano. Dessa forma, o BC (Banco Central) tentaria levar a inflação acumulada em 12 meses ao objetivo determinado pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) em um período mais amplo.
A ideia, entretanto, é vista com certa desconfiança pelo mercado por gerar incertezas quanto ao cumprimento da meta e pelo cenário de pressão inflacionária ainda existente no país.
“A mudança proposta pelo ministro Haddad pode ter efeito positivo para a redução da taxa de juros, porém ele tem um desafio que é o contexto. Mudar hoje em um cenário em que a inflação ainda tem um componente de pressão alta pode derrubar a credibilidade do Banco Central como guardião da meta de inflação”, afirma Joelson Sampaio, economista da FGV EESP.
Segundo o especialista, flexibilizar a meta de inflação (ter uma tolerância para uma inflação mais elevada) faz com que o BC não precise de uma taxa de juros tão alta para reduzir a inflação a níveis mais baixos. “Hoje para o Banco reduzir a inflação para 3,25% ele precisa ter uma taxa de juros que leve a inflação para essa meta o que leva os juros a um nível muito alto, que é o caso da atual taxa de 13,75%”, diz.
O professor de Políticas Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Jefferson Prado, não vê com bons olhos a proposta e acredita que ela não trará redução de juros.
“A medida não fará com que a taxa de juros caia porque a proposta consiste em alongar o prazo e tentar mexer na forma como os juros reagirão frente a evolução da inflação. Para que os juros caiam, é preciso de uma tomada de decisão em relação à política fiscal. Para isso, o governo precisaria fazer uma gestão mais transparente e barata, propor uma redução de carga tributária junto com a reforma tributária e isso até agora não foi feito”, justifica.
De acordo com Prado, mesmo que a taxa de juros caia essa redução seria superficial porque os juros refletem tanto questões externas, como a guerra da Ucrânia e a recessão nos EUA e na Europa, quanto internas, como o endividamento do Brasil. “Enquanto o país não tiver uma política fiscal austera, responsável, que reduza a dívida pública, não adianta o governo querer estender prazo de meta e colocar a culpa no BC. Se o governo está incomodado com a taxa de juros, ele precisa controlar o gasto fiscal porque se ele gasta menos significa que ele faz menos dívida e assim emite menos títulos contribuindo para que a taxa de juros caia”, complementa.
Outro lado
Em nota enviada a IstoÉ Dinheiro, o ministério da Fazenda afirma que “o modelo de meta de inflação auferida no ano-calendário é mais rígido que outros modelos como meta de médio prazo e meta contínua, mais comuns em outros países, tendo em vista que eventuais choques exógenos pressionam a política monetária no curto prazo”.
Ainda segundo o órgão, “nos modelos mais modernos, o BC poderia utilizar instrumentos disponíveis dentro do horizonte relevante para a política monetária para direcionar as expectativas de forma suavizada. Outra vantagem é o caráter mais perene da meta que não precisaria ser estabelecida ano a ano. Em recente avaliação da política econômica brasileira conforme artigo IV, o corpo técnico do FMI (Fundo Monetário Internacional) indica a superioridade de um arranjo com metas não vinculadas ao ano calendário e que tenham sua consecução no horizonte relevante da política monetária”.
O professor do Mackenzie, entretanto, discorda da avaliação do ministério. “Ele justifica dizendo que essa flexibilização foi adotada em alguns países desenvolvidos, mas são países que estão em outro momento da economia. A nossa economia sofre até hoje impactos da Covid-19. Nós tivemos um problema crônico de fornecimento e abastecimento que gerou uma inflação no país cujos efeitos ainda são sentidos. Soma-se a isso o fato de termos um governo que entregou um arcabouço fiscal que, embora tenha feito com que o mercado entendesse que pelo menos agora há uma meta, ninguém acredita que o Executivo conseguirá cumprir o que está propondo”, conclui.